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camisa-de-força

 

"Me dita, recita, diga o que quer que eu faça. Quando você meditar sobre o que você me disse e quando você me ditar o que você pensa, talvez eu já me esqueça, porque diante de tudo, talvez, eu não precise mais pensar. Não me interessa ser o melhor, porque muitos melhores virão. Me interessa, sim, ser o primeiro. Melhor, outro dia um melhor aparecerá. Outro dia, outro primeiro não. Desenvolva um tique. Pratique este tique o dia inteiro, várias vezes por dia. O tique pode ser ficar observando por segundos um lugar no espaço, acompanhar uma linha de seu início ao seu término, fazer movimentos bruscos com a cabeça, o pescoço, as mãos. Pronunciar palavras em rima, em prece, em medo. Atribua significado a este seu tique, como por exemplo: - minha mão vai pegar fogo quando eu acender o fogão se eu não olhar para cima, tocar a orelha e disser três vezes: "eu nego". Pense firmemente que se você não fizer isso toda vez que vir um carro prata, sua casa se incendiará. Passe a ter medo do fogão e comece a comer apenas a comida feita no microondas. Desenvolva agora um repentino transtorno de que precisa desligar o microondas antes dele apitar e fique com a cara colada no forno, contando os segundos passando; faça cálculos mentais com esses números e, a cada vez que a somatória der “sete”, você deve pensar sete vezes no que quer comer amanhã, para a comida nunca faltar na sua mesa.

Agora transcreva para a vida prática e pense. No caso de homem: pense que precisa usar calças da mesma cor dos sapatos, com cinto idem, e camisa um ou dois tons acima, para passar a sensação de ser uma pessoa sensata. Seu cabelo deve estar sempre curto e a barba cuidadosamente mal feita, para que os outros interpretem que você é viril e ninguém pense que você não é um deles. Jamais chore, caso contrário poderá passar a imagem de ser gay. Não use estampas, não se permita sorrir, não aprecie boa música, não se emocione na frente da TV, com uma mulher, com uma peça de arte, senão vão dizer que você é gay. A cada vez que vir uma mulher você deve incitar sexualidade - caso contrário vão dizer que você é gay. Em caso de dúvida, grite. Em caso de medo, surre, senão vão pensar que você é gay. Se você for mulher, tudo pode ser mais difícil. Se a roupa é transparente vão dizer que você é puta. Se a roupa for solta no corpo, vão dizer que você é gorda. Se for escura, então você está velha. Se usar maquiagem é porque quer dar. Desenvolva o hábito de não se maquiar e eles vão perguntar se está tudo bem? Eles só querem que você seja um deles. Pegue a bolsa mais feia de todas, ruim de carregar - mas é importante pensar no pior modelo! Se tiver vontade de chorar ou uma crise de arrependimento depois da compra, olhe para os lados e veja que todas elas usam bolsas iguais a sua e você precisa dela. 

Esqueça a bolsa e pense no cinto, claro. Todas elas estão com o cinto dividindo o corpo ao meio. Porém, todas estão confiantes; foi lhes dito que deveria ser assim. Eles disseram pra você fazer assim. Eles não querem que você pense. Eles não querem que você pense. Eles não querem que você pense. Mas isso é problema deles; o seu erro é não questionar o que eles dizem. Para se ter uma ideia de quem são eles, eles não discutem sobre o transgênico. Eles nem se importam. Eles estão o tempo todo tentando embutir em você uma forma de ser normal, que eles nem sabem como é. Eles estão o tempo todo buscando uma normalidade diferente, cuspindo no prato que comeram antes. É simples, eles só não querem que você pense. Fique alerta. Eles podem não querer que você pense, mas a questão de não pensar só compete a você. Por favor, fuja das ideias prontas. Se você criar o caminho, nunca estará perdido. Se você for por onde eles apontam, estará nas mãos de alguém que decide o seu caminho e se o apito estiver na sua boca, é você quem decide o tempo. Deve ser mais importante o que seu espelho diz, o que sua cabeça interpreta, do que a opinião deles. Eles só não querem que você pense. Mas se o que eles dizem for mais importante pra você... Eles não querem que você pense".

 

 

O trabalho coloca em cheque valores imaculados da sociedade que nos ata em busca de um "ideal de sociedade saudável". O desfile foi apresentado no PBC tendo como trilha sonora texto escrito e narrado por Alexandre Linhares, musicado por César Munhoz, e discorre uma história em que parte é vivida com as roupas na passarela e parte acontece dentro da cabeça do espectador. A fuga da loucura, a ideia de desamarrar-se vem representada em alfaiataria impecável e minuciosos bordados feitos à mão. O vestido que fecha o desfile, em tule de algodão, demorou quase 3 semanas sendo bordado em paetê pela Thifany. Para compor esta coleção, Alexandre, através das redes sociais, lançou campanha pedindo para que, quem se sentisse confortável, lhe enviasse foto de suas genitálias de forma anônima, numa busca pela expressão bruta e pura, sem amarras e sem rosto. Outro destaque do desfile é o "vestido vagina", em seda pura, que tem bordado pentelho por pentelho em linha de algodão. Ao final do desfile, Alexandre Linhares recebe as felicitações com seu corpo nu estampado na camiseta que usa, foto de Gio Soifer. O complemento da coleção colocado nas araras tem como modelo a amiga Yara Zitronenblatt que também atua no filme que integra a coleção. Fotos de Gio Soifer..  

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sobre as fotos oficiais da campanha e o vídeo-conceito da coleção:

estrela: Yara Zitronenblatt / beleza: Thifany F. / fotos: Gio Soifer / vídeo e textos: Alexandre Linhares / música:  watching the whale - John & Yoko

 

Sobre o desfile "a coleção que discute a camisa-de-força", integrante do "Ideia Moda" no "Paraná Business Collection"  em 2012:

texto e voz de Alexandre Linhares gravado no estúdio da UGCine e musicado por Cesar Munhoz / joias: Joalheria Rodrigo Alarcón / sapatos: Estilo Próprio Calçados (shopping Água Verde) / bolsa: Linina Bolsas / fotos: Jeff Hala

 

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